Travessia da Serra Fina, solo.
Já fazia algum tempo que eu ouvia falar da Travessia da Serra Fina, considerada a
“mais difícil do Brasil”, fiquei intrigado com esse “título” e resolvi conferir
de perto.
Após algumas pesquisas descobri que a Serra Fina, na
verdade, é um lugar “badalado”. E que em feriados, verdadeiras procissões cruzam
suas cristas. Além disso, vi pessoas reclamando que agências de turismo estavam
monopolizando os pontos de camping, como? Contratando carregadores (sherpas)
que corriam na frente e reservavam os melhores lugares. Diante disso, tinha que
evitar feriados, mas como conseguir 4 dias livres fora de feriado? A
oportunidade veio a surgir no feriado de 7 de setembro de 2010, que caiu numa
terça. Daria tempo suficiente pra completar a travessia, eu e mais 1037
pessoas. Felizmente, dessa vez eu tinha alguma flexibilidade, e poderia sair um
dia antes, na quinta à noite (dia 2).
Para a navegação pela serra, levei carta topográfica e bússola. Imprimi, em papel A4, trechos da carta com um esboço do trajeto.
Na quinta-feira a tarde cheguei em casa e comecei a arrumar
a mochila, ainda faltava algumas coisas pra comprar. Quando terminei de arrumar
a mochila já era mais de 21h. Detalhe, ainda não tinha comprado passagem. A
única coisa que eu sabia é que o ônibus saia as 23h. Bem, essa é uma das
vantagens de fazer as coisas solo, tudo que você faz de errado, só afeta você
mesmo. Joguei a cargueira nas costas e segui para o ponto de ônibus. Aí já
foram uns 20 minutos esperando o ônibus e mais uns 20 até a rodoviária. E lá
estava eu numa fila gigante no guichê da viação Gardênia.
Já passavam das 22h e ainda tinha umas 7 pessoas na minha
frente. Eis que ouço a vendedora dizendo: “pra São Lourenço só tem mais 3”.
Nóoooo, momentos de tensão. Até que chegou a minha vez, e eu consegui comprar a
passagem!! A aventura começou cedo, pensei, hauahaua.
A previsão de chegada a São Lourenço era as 5:20h, e 5:10h
tinha o primeiro ônibus pra Passa Quatro. Por sorte, cheguei as 5h e já
embarquei 10 minutos depois.
Finalmente, por volta das 7h, cheguei em Passa Quatro.
Primeiramente fui a padaria e tomei um café reforçado, depois fui a procura de
transporte até a Toca do Lobo. Conversei com o pessoal do posto de gasolina
próximo à padaria e eles tentaram, sem sucesso, contatar algumas pessoas que
faziam o trajeto. Depois de mais de duas horas de tentativa, decidi que teria
que seguir a pé, pois já estava ficando muito tarde. Segui até a BR, pois a
estrada para a Toca ficava do outro lado. Enquanto comia uma barra de cereais e
batia fotos, chegou um motoqueiro, ele disse que o pessoal do posto tinha
ligado para ele. Negociamos um valor (R$ 40,00), e seguimos até a Toca do Lobo,
bem no início da trilha.
Croqui da travessia. Trajeto de aproximadamente 48 km. |
DIA 1: Subindo para o
Pico do Capim Amarelo
Enfim, as 10:10h, iniciei a subida. O inicio da trilha fica
do outro lado do riacho. Sobe-se em meio a uma pequena matinha, por um trecho ligeiramente íngreme e curto. Saindo da mata, se alcança a
crista, que é o caminho predominante dessa travessia. A partir desse ponto começa o sobe e desce, sempre pela crista. Dali de
baixo já dava pra ver o topo do Capim Amarelo.
Riacho onde inicia a trilha - Toca do Lobo |
O tempo estava ótimo, céu completamente azul. A subida estava tranquila. Fiz uma pequena parada no quartzito, onde me abasteci como cerca de 3,5L de água. Continuando, passei em um pequeno trecho de bambus e segui para um semi-pico, de onde deve-se descer antes de seguir para a parte final, que é um pouco mais íngreme. Nesse ponto já se está bem alto, e olhando ao sul, é possível ver os Picos do Itaguaré e Marins.
Logo após ao Quartzito. |
Pico do Capim Amarelo a esquerda. |
Esse primeiro dia é praticamente 100% subida, apesar disso,
é compensado por ser um percurso curto. As 14:10h cheguei ao topo, o que
encerrava a caminhada primeiro dia.
O pico do Capim Amarelo me causou uma certa estranheza, pois
ao invés de rocha nua, ele é recoberto de capim elefante, planta que pode chegar a aproximadamente 2 metros. Em meio ao capim,
corredores e “cômodos” espalhados pelo pico. Como ainda era muito cedo e eu
estava sozinho, não tive pressa, primeiro deitei por um tempo sob a sobra do
próprio capim. Descansei e relaxei ao som do vento, enquanto fitava o infinito,
daquele incrível céu azul. Depois passeei pela enorme mansão, procurando pelo
melhor quarto.
Desempenando a coluna. |
Barraca montada, agora viria a parte mais difícil, que é curtir
todo aquele visual. Ao sul, era possível ver a cidade de Cruzeiro, em SP. Bem
distante, a oeste, a penumbra dos picos Marins e Itaguaré. E a leste, o destino
do próximo dia, a Pedra da Mina.
Pedra da Mina ao centro, Tartarugão a direita e caminho (cristas) do dia seguinte a esquerda. |
Já no fim da tarde, deitei em uma pedra inclinada e
fiquei curtindo o pôr do sol. Depois disso preparei o jantar, que foi bem
simples, apenas miojo, sardinha e batata palha. A noite foi muito tranquila,
nem mesmo ventava. Pessoalmente, prefiro mais animação, aceito até chuva =P.
Completamente só no pico do Capim Amarelo, muita paz e tranquilidade |
DIA 2: Pedra da Mina
Acordei por volta das 6h, dava pra notar que estava bem
claro. Dei uma espiada pela porta da barraca e vi que o tempo continua
completamente aberto. O sol estava pra nascer atrás da Pedra da Mina, e isso
deixava o espetáculo ainda mais bonito. Aos poucos, a grande tocha foi ascendendo,
e seus raios foram vazando pela laterais da Pedra da Mina, até que finalmente o
mar de luz eclodiu e fui acolhido pelo calor, naquela manhã fria(wtf?!). Após o
grande evento matinal, preparei o café e logo após desmontei a barraca.
Nascer do sol |
Devido a minha lerdeza caracolistica, só comecei a andar por
volta das 8h. Peguei uma trilha saindo do Capim Amarelo bem batida, e já
comecei a descer. Passei por uma floresta de bambuzinhos e já achei estranho.
Pouco depois cheguei ao fim da linha, aquele caminho estava errado, e estava batido de tantas pessoas errando ali, como eu. Como tinha andado apenas
uns 10min, foi fácil resolver, nem precisei subir de novo. O mais curioso, é
que ali perto tinha uma mochila velha, com algumas coisas estranhas, como
velhas, borrachinhas de dinheiro e uma lata de achocolatado vazia. Alguém deve
ter passado aperto naquele local.
De volta á trilha correta, segui descendo por uma trilha bem íngreme, até chegar a uma
matinha agradável, já praticamente no colo do vale. Mesmo dalí, era possível ver a Pedra da Mina, bem distante.
Esse trecho tem sobe-e-desces bem suaves. Mais a frente, passei por uma grande
área de camping, possivelmente o chamado Maracanã. Em sequencia, um belo túnel de bambuzinhos, quem
brandavam ligeiramente ao vento, fazendo um efeito interessante de luzes no
chão.
Pedra da Mina ao longe. |
Depois do bambuzal já começa uma subida mais forte, e
olhando pra trás da ver todo o caminho percorrido. E o que chama mais atenção é
o desnível do pico do Capim Amarelo, nem parece que é possível descer.
Pico do Capim Amarelo e toda a crista percorrida até ele. |
Depois de mais alguns sobe-e-desce, sobra
apenas o enorme maciço da Pedra da mina. Enquanto a direita, bem menor, o pico
do Tartarugão. Entre eles, a cachoeira Vermelha, que na ocasião estava seca,
apenas com as pedras molhadas.
Pedra da Mina |
"Cachoeira" Vermelha e Morro do Tartarugão |
A intenção era subir
o Tartarugão, mas minha água já tinha acabado. Teria que pegar água primeiro,
então voltar e realizar o ataque. Mas na verdade, a sede não me impediria de
realizar o ataque, o que me impediu mesmo, foi o fato de ter pouco espaço pra
montar barraca no topo da Pedra da Mina. E como esse dia já era feriado,
possivelmente teria muita gente subindo pelo Paiolinho pra ir apenas na Pedra
da Mina. Eu fazia questão de acampar lá no pico, por isso, desisti do ataque e
segui.
Por volta de 12:40h, cheguei na água. Felizmente, tinha
bastante água. Saciei a sede e recolhi água para passar a noite. Então segui
para a subida final. Foi uma longa subida, cheguei ao topo as 14h. Como eu
havia previsto, já tinha algumas pessoas por lá, apesar disso, ainda tinha uma
excelente vaga. E pude montar a minha barraca com tranquilidade. Terminando a
montagem, já chegaram algumas pessoas, e informaram que vários grupos estavam
por chegar.
Água da vida! Parece pouco, mas dava até pra nadar... só que não =P |
Cume da Pedra da Mina. Pico do Capim Amarelo a esquerda. |
Barraca montada no topo da Pedra da Mina. |
Ainda era cedo, pouco antes das 15h, então resolvi fazer um
ataque ao Tartarugão. O ideal era dar uma volta gigante e passar próximo à
cachoeira Vermelha, mas era muito longe e optei por um caminho mais curto, na
verdade, quase em linha resta. Pra eu ter sucesso, bastava vencer uma
“floresta” de capim elefante. Inicialmente, eu desci fora da trilha, de frente
para o Tartarugão, era bem íngreme, mas deu pra descer. Chegando no capim
elefante, vissh... muita treta! Fiquei lá numa batalha sem fim, tomei altos
capotes, não conseguia ir pra onde eu queria, e aquilo foi sugando o resto das
minhas energias. Por fim, desisti de seguir em frente, deixa pra próxima. Afinal,
o capim elefante me mastigou e cuspiu fora, haahauhau. Uma vez livre do capim
elefante, foi só subir toOoOoda Pedra da Mina. Chegou só o bagaço lá em cima.
Morro do Tartarugão e sua "floresta carnívora". |
De volta ao topo, notei que as últimas vagas já tinha sido
ocupadas. Os grandes grupos tiveram que acampar mais em baixo. Aproveitei para
assinar o livro do cume. Depois fiquei conversando com algumas pessoas que
estavam por lá. Acabei conhecendo o Tácio e o Parofes, que pretendiam subir o
Tartarugão nos próximos dias.
O sol se preparava pra descansar ao fim do horizonte, e
todos sacaram suas câmeras pra registrar o momento. O belo céu azul se
esvanecia, enquanto a interface do céu com a terra explodia em tons de laranja,
e por alguns instantes o ofuscante astro rei nos contemplou com seus contornos,
e em seguida, repousou.
Pôr do sol. |
Após o pôr do sol a temperatura caiu rapidamente, e todos se
abrigaram em suas barracas. Antes de ir dormir preparei a minha tradicional
feijoadinha gordurenta e deliciosa.
Falem o que quiser, mas esse trem é bão demais! |
No meio da noite saí pra regar a moita, e pra
minha surpresa, uma das barracas parecia uma boate, com luzes piscado e até
música. Isso sem contar que mais cedo eles estavam tomando pinga. Imagina descer toda a serra com ressaca? não deve ser fácil.
Para ler a segunda parte (clique aqui)
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